16 janeiro, 2009

Um pequeno ensaio

Imagine você estar esperando parado com o carro na sinaleira, esperando o sinal abrir, e percebe que tudo a sua frente virou uma imensa névoa branca. Imagine se descobrir cego e começar a ouvir buzinas e gritos atrás de você. É assim que inicia o livro do escritor português José Saramago.
O texto é envolvente e cativante, e totalmente diferente de tudo que já li. Não apenas a linguagem que traz o português de Portugal, mas também a forma do texto. Existem diálogos, mas não os travessões. Poucos pontos finais e poucos novos parágrafos. Nas primeiras páginas é difícil pegar o jeito, mas logo o “susto” passa e fica fácil entender as conversas, as narrações, os pensamentos.
A cegueira se alastra. É uma cegueira branca, não escura como a conhecida. O governo com medo da propagação da doença leva os cegos para um hospício abandonado e os deixa trancados lá, com o exército como responsável. Uma vez ao dia o alto-falante dava as explicações para os cegos: que a comida seria deixada no pátio e que eles teriam que ir até lá buscar, que qualquer tentativa de fuga resultaria em morte, que ninguém iria entrar lá para resolver os problemas por eles, que eles seriam responsáveis pela limpeza do local.
Os cegos são deixados em uma ala e as pessoas que tiveram contato com eles são deixadas em quarentena em outra. Cada dia os quartos enchem mais e mais, mas as pessoas não se apresentam por nome, afinal de que vale um nome na situação em que se encontram. São conhecidos como médico, a esposa do médico, o primeiro cego, a moça dos óculos escuros....
Entre todos os que estão ali, existe um pequeno milagre: a esposa do médico não perdeu a visão. Apenas seu marido sabe, pois ela se finge de cega para poder ficar junto a ele. Com o tempo o hospício fica cheio e as pessoas começam a viver em condições sub-humanas. A comida é escassa, a construção é velha e suja, água que tem ali não serve nem para beber, nem para tomar banho, os banheiros são imundos. Além disso, os cegos nem sempre conseguem achar os banheiros, então fazem suas necessidades onde podem. O cheiro fica insuportável, existe sujeira para todos os lados. Mas os cegos apesar se sentiram o mal odor não conseguiam ver o que estava ao seu redor, tudo era uma nuvem branca. Apenas a esposa do médico via e a cada dia se sentia mais suja, mais bicho. Mas na verdade eles começavam a enxergar de formas diferentes, ver como as pessoas eram pelas atitudes, sem ver a aparência, não viam roupas, cabelos, cor de olhos e pele, viam sem máscaras.
“O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, só um cego, é o que temos aqui. Então perguntou o velho da venda preta, Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira. Ninguém lhe soube responder."
O livro escrito em 1995 já foi traduzido para diversas línguas, já teve adaptação para o teatro e recentemente foi adaptada para o cinema. O filme Ensaio sobre a Cegueira (Blindness), dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, foi um grande sucesso nos cinemas, mas ainda não consegui assistir. Melhor assim, pois agora que já acabei de ler o livro posso fazer as comparações entre a versão do escritor e do diretor, que é uma das minhas atividades favoritas.

2 comentários:

Adele Corners disse...

Amo esse livro e tô louca pra ver o filme... Meirelles é foda, deve estar lindo!

Paulo disse...

Aqui no Japão tenho acesso ao filme, mas não ao livro, ainda.
Estou me segurando, porque não quero ver o que o Meirelles imaginou antes de ver o que eu vou imaginar. O livro, como sempre, deve vir antes.

Beijos!